segunda-feira, 30 de agosto de 2010

TEIMOSIA


Teimosia
Teimosia
Augusto C. de Lima

Encho um copo de Vontade
Uma pedra o faz transbordar
Uma Pedra chamada Saudade
Arrisca meu copo a quebrar

Cada gota que cai é uma dor
Essa poça no chão é maldade
Como pode se chamar amor
Se é mazela na verdade

Essa água demora a secar
Se é que seca de fato
Tanta água desagua em mar
Tamanho ingrato

Nuvem tanta que não passa
Não deixa o copo esvaziar

Essa chuva está pra tempestade
Cai pedra pra todo lugar
Cada vez eu que olho pro alto
Uma pedra se queda no mar

E se queda transborda a Vontade
E a dor volta a gotejar
Pedra aguda de saudade
Copo cheio está pra quebrar

E se quebra eu morro um instante
Dolorido esparramo meu mar
Pego um copo vazio na estante
E o torno a encher no lugar

ÁGATA

ÁGATA
Augusto C. de Lima

"QUE ALGUM DIA EU POSSA OFERECER AO MUNDO AMOR PURO COMO O SEU"

De noitinha vou pra casa
Ágata pula do colchão
Pressente eu vindo pela estrada
E vai me esperar no portão

Felicita minha chegada
Vai miando no caminho
Me contando sobre o dia
Exigindo seu colinho

Me obriga ir pra cozinha
Colocar sua ração
Se enroscando em meus pés
Me estabaca pelo chão

A comida cai primeiro
Ágata resolve lanchar
Esquece que seu cozinheiro
Também vai se esborrachar

Se esborracha o cozinheiro
Com as fuças na ração
Um macio travesseiro
Amortece o barrigão

O alivio é passageiro
E dou conta do ocorrido
Pois um gato esmagadinho
Dá um mio dolorido

Me levanto num só pulo
Boca cheia de ração
Fecho os olhos pra não ver
A sopa de gato no chão

Com vontade de chorar
Só escuto um barulhinho
Abro os olhos devagar
Pra encarar meu ex-bichinho

Não creio no que vejo
Olha que situação!
Ágata toda quebrada
Ainda comendo ração

O corpinho estendido
Pescocinho para o lado
A boquinha mastigando
O rabinho deformado

Corremos pro veterinário
A bichinha engessou toda
O rabinho consertado
A ração na sua boca

No retorno para casa
Ficamos com cara de tacho
A pancinha meio inchada
Quebrou o gesso de baixo

E não houve mais acidente
Foi achada a solução
Ágata põe capacete
Pra me esperar no portão

ÀS DUAS

às Duas
ÀS DUAS
Augusto C. de Lima

Esse desejo infernal
Incomodou meu coração
Eu que pensava amar demais
Não resisti a tentação
Ao furacão, a perdição
E nem tentei, Era demais
Nem que quisesse era capaz
Contaminou minha razão
Meu corpo inteiro e algo mais
Minha vergonha tanto faz
Não parecia estar errado
O beijo tão apaixonado
Um gosto novo, quase raro
Que com meu anjo não senti
jamais

E eu me arrasei
Me proibi, me discordei
Chorei na mesa e alertei
Causei pergunta e culpa, eu sei
Quase me delatei
Mas me foi tão bom
Que foi tão fácil a decisão
De convencer meu coração
Me permiti, me dividi
Feliz aqui, mulher ali
Você temeu e eu insisti
- Não jogue tudo para o ar!
Ponto de vista dita o que é acertar
ou errar
Conveniente assim julgar

E assim julguei
Era tão fácil acreditar
Sem rosto triste pra encarar
Eu recriei minha verdade
Para encontrar felicidade
Bastava um tanto de maldade
Se arrependi, agora é tarde
Já transmutei meu coração
E transferi minha emoção
Se for preciso eu sou perdão
Mas não me julgue amor
Por muito tempo fui
Solidão

Caro é ser rainha em belo lar
Café completo ao acordar
Ser mãe zelosa até às duas
Quando enfim sinto a casa nua
E me embaralho em várias ruas
Pra ser mulher nas coxas tuas
Sentir o corpo arder, queimar
Morrer um pouco ao te largar
Correr com hora pra chegar
Conter teu cheiro ao me lavar
Checar meu corpo a te encontrar
Botar a mesa do jantar

Voltar ao ato principal
Comer falando, coisa e tal
Contar um dia não real
Olhar nos olhos sem moral
Fumar no banco do quintal
Deitar no gelo de uma cama
Se violentar, fingir a trama
O que se faz por quem se ama...
Um beijo seco ao terminar
Dar boa noite e se virar
Dormir sem tempo pra pensar em sonhar

Bom é acordar, fazer a cama
Mandar a vida quem se ama
Tomar um chá e se sentar
Passar o dia a delirar
Gastar o tempo a se perder
Chegar às duas e encontrar
Você

Ser Esposa e ser Mulher
Sou Duas
Entre uma e outra está você
Às duas

CABAÇO

Cabaço
Cabaço
(O primeiro Samba de Alguém)
Augusto C. de Lima

Dizem que o samba é coisa de preto
E que foi branco quem criou
Mas o boato mais tosco que ouvi
Foi o de que o samba não tem cor

O samba não é preto e branco
É vivo e cheio de cor
Da cor da dor de quem canta
É arte pintada de amor

A Vida colore o que é vivo
Tudo o que é vivo tem cor
Tudo o que é vivo depende do outro e sofre por amor

O samba canta sentimento
E sentimento não é coisa de cor só
Sentimento é pintado de saudade
Tristeza, amor, felicidade...

O Branco é ausência da arte
O Preto é ausência da cor
O Samba não é Branco nem Preto, meu amor

O samba não tem raça
É linda mistura de cor
Cantado em qualquer praça
Sem pele, sotaque e pudor

A verdade é que o samba
Se pinta de dentro pra fora
Não importa a cor da pele
Todo mundo tem um peito
E é no peito que o samba mora

E não diga que um samba é seu
É do todo
Por se toca o coração de outro alguém
Não tem dono

Eu confio na vida e a vida tem cor e o samba tem vida, meu bem
Pois batuca o peito da gente
Dá sentido ao caminho de alguém

Só não diga que o samba é preto ou branco,
que é meu, seu, de mais ninguém
O samba é daquele que canta
E que pinta suas cores também

O Branco é ausência da arte
O Preto é ausência da cor
O Samba não é Branco nem Preto, meu amor.

HOMEM CARO EM CENTAVOS

Homem caro em centavos
Augusto C. de Lima

Acreditei
Que te faria ver que o seu melhor só começou
Depois de mim
Não é vaidade
Mas deu pra ver que o seu sorriso abriu demais quando eu cheguei
E é verdade

Na vida só o que resta é o que se tem de raro
É triste ferir um peito por obviedades
Tens pela frente a escolha única pela eternidade
Ou andar em círculos, ficar pelo caminho
Não preze o mais comum

Não se maltrate
Não julgue pelos erros o que você deva ser
Se reconheça
Amadureça
Perceba o belo dia em torno de você
Não deixe que anoiteça

Entendo que até hoje assistiu a vida sem cor
Sei que é mais seguro acreditar que tudo é besteira
Se é pra se proteger, não tenha medo
eu te acompanharia por essa  estrada inteira
Meu amor

OBEDIENTE

Obediente
Augusto C. de Lima

Não vou negar que havia esperança na verdade
Não vou dizer que nunca esperei por algo mais
Era improvável mesmo que varasse a eternidade
Agora vem o tempo
De seguir em paz

De certo eu achava que mudasse com o tempo
Não finjo que esperava ser soprado junto ao vento
Aguardei a noite inteira por algumas boas novas
Chegou o momento
De ir embora
Eu separei palavras bem pensadas para dizer
Eu sei que sempre foram preciosas pra você
É certo que o momento por si só vai se explicar
É triste sim
Mas vai passar

Seguindo dois caminhos nos cruzamos num atalho
Bebemos um do outro energia e coragem
A vida continua para eu e pra você
Cada um na sua estrada
Boa viajem

Não há amor no mundo que não faça florescer
Tão lindo, emocionante, impossível de esquecer
Crescemos como amigos, companheiros e amantes
A vida segue agora
Por novas chances

Queria amor pra sempre e  não a vida inteira
Se pensar, é diferente
Difícil de aceitar
Entendo que é a regra desse mundo pra girar
Repito o canto e sigo
obediente

BAHIA

BAHIA
Augusto C. de Lima

Caldeirão de tempero sem fundo
A Bahia dos Santos todos
Banha o pudor moribundo
Desperta as moças da alma
Ateia fogo no mundo

Quando queima em água morna
Não atende mais nome de padre
Só se chama por nome de guerra
Sem tirar do Espirito Santo
Dá aos padrinhos da terra

Frigideira de sal e areia
Não separa filhos seus
Branco e preto, então mulato
Com um ponto de seus guias
Resa a igreja de deus




Chuva, sol ou trovoada
Belo dia que se torna
Salve a Rainha do Mar
Brisa quente que devora
Corpo é pão nesse lugar

Ecumênica Panela
O dendê em tuas ruas
Arde o sopro em todas bocas
Frita o couro de quem rela
Torna o breve mais profundo

Ajoelho aos pés da areia:
Salve a negra da favela!
Salve a patria mãe gentil!
Que pariu essa panela
A Bahia do Brasil