domingo, 10 de julho de 2011

Malandro

MALANDRO
Augusto C. de Lima

Não quero ouvir
Me deixe dormir, por favor
Se eu te entrego um conto inventado
Finja que crê e eu te finjo
Amor
Não vou ouvir
Salvo o silencio do meu cobertor
Sono de bom malandro é treinado
Pra ignorar o lamento e a dor

Amanhã talvez
Lá pras tentas quando eu levantar
Te libero um conselho pra dar
Janto o texto e te faço um favor
Te dou razão
Dou migalhas de mim em troca de  perdão
Faço tal como fosse arrasado
Pra amanhã retornar pro meu colchão

Não vou parar
Pode inundar a favela, nem ligo
 Puro castigo por querer tentar
Duelar seus desejos comigo
Não leve a mal
Sou  pequeno demais pra sua pretensão
Sou humano demais pra sua doce ilusão
Veste seu fardo e me espera no portão

Pois ao chegar
Pela negra madrugada enfim
Vou lhe entregar
O tão pouco de melhor em mim
Não chamo amor
Mas o que é que se sente e se sabe?
Pois no fim desta noite, é verdade
Volto pra onde me espera a solidão

Só não me peça, então, sinceridade
Realidade faz só mesmo é ferir
Sentimento algum é livre de vaidade
Entre dizer a verdade e mentir
Há um mundo de possibilidade

Termino assim
Embalado  por pranto em sono enfim
Tão certo que
Não existe vitima e algoz
Pois um se alimenta do outro
E da própria doença
Sou nego de raça, bicho solto
E não há corrente que vença
Malandro...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Diálogos sobre as primaveras

"Caminhando dentre as roseiras, percebo teu olhar além das pétalas.  É tempo de uma nova lição.
Pergunto-te se poderia uma pedra de açucar adoçar todo um oceano.
Responde-me, meio a cantar, que depende da vontade dos olhos que carregam tal mar.
Discordo então de ti:
- Pensas como uma nuvem: cheia de tanto e cheia de nada.  Salvo pela febre que chamas amor, olhar algum, humano que esteja, carrega um oceano.  Porém, se aceitares teu cumplice como apenas um jarro d'água, darás então, a esta menor porção, algo do teu sabor, e serás diluído em parte, sem perder tua essência.
Queixaste-te então da dura medida do Céus ao moldar teu semelhante:
- Como é possível, ao mundo que sinto, caber num simples jarro d'água?
E te respondo:
- O jarro não é, só envolve.  Adorne flores, fitas, pinte a mão.  Enfeite-o como quiser.  Mas ao temperar sua água, faça-o em meticulosa proporção, ou poderás adoça-la mais ou menos do que a natureza desta pode suportar, ou ainda diluir-se por completo, perdendo-se n'outro mar. Mar de ilusão."