terça-feira, 9 de novembro de 2010

Flor de ir embora

Despedida
           " Era uma noite como qualquer outra no Sertão. Jessé e sua esposa dormiam o sono dos justos. Um sono tranqüilo, daquele que prevalece lá pelas tantas da madrugada, quase de manhãzinha, quando o espírito esta limpo de qualquer preocupação ou angústia.  Jessé adormeceu pensando no dia seguinte. Vislumbrando os lucros com a próxima colheita, imaginando o que começar a plantar depois. Algo inimaginável há algum tempo, quando ainda não havia muito bem o que comer e todo sonho só era possível com os dois pés fora do chão.  A partir da chegada de um estranho, as soluções para um nova vida pareceram não tão distantes e as alternativas pareceram mais criativas, longe de tudo que já fora conhecido antes.  Rafael chegou do nada, e trouxe para Jessé e sua família algo que antes nunca imaginaram conseguir sozinhos.  A vida nunca foi a mesma desde então.  Rafael estimulava, encontrava e induzia a soluções.  Tinha um espírito engajado, dedicado, cuidadoso.  Conseguia transmitir muitos sentimentos com o olhar, e com o olhar despertava a alma dos outros para a vida.   Tudo se acendia aos olhos do estranho, e sua presença não permitia sofrimento ou apatia.
             Jessé dormia e sonhava com seu sítio, em o que foi um dia e em tudo que é agora, e em meio aos prazeres do sonho, foi acordado pelos altos barulhos do quintal.  Ao sair do transe do sono, pode identificar o barulho dos cães latindo na porteira do sítio.  Olhou para o lado e Milu, sua esposa, dormia sem se importar com a bagunça.  Levantou-se meio zonzo, olhou pela janela e viu alguém atravessando o caminho que leva do sítio a estradinha, e logo lhe passou pela cabeça que podia ser algum meliante que roubara alguma de suas galinhas.  Foi até o quarto ao lado chamar por Rafael, mas encontrou-o vazio, a cama arrumada, como se ninguém tivesse passado por lá.  Caminhou sozinho até a varanda e novamente avistou o estranho já alcançando a estrada, onde estacionava um pau de arara. Os cães aquietaram-se ao identificar a presença do dono, como se esperassem para ver sua reação aquela situação. Reconheceu no estranho Rafael, e correu uns passos a frente no quintal afim de que fosse visto pelo amigo, alcançá-lo e entender o que se passava, mas o viu embarcar no veículo que retomou o percurso ao longo da estrada.  Permaneceu parado alguns instantes, ainda tonto pelo sono, alarmado pelo susto, sem compreender o que se passara e porque o amigo fora embora sem nenhuma explicação, nenhum aviso ou despedida.  Conformou-se num nível dentro do possível e decidiu acordar Milu para juntos concluírem alguma explicação para a estranha atitude do inquilino.  Ao dar meia volta, notou a roseira plantada ao lado da casa pelo amigo, logo no dia de sua chegada, quando apareceu pedindo estadia e um pouco d’água.  A planta já estava enorme, e no seu ramo mais alto havia florescido uma enorme rosa branca, aberta por completo, tão madura que talvez desfolhasse ao mínimo sopro de vento mais agressivo.  Ao observar a rosa, uma estranha conformidade lhe tomou o coração, e sentiu enorme gratidão pelo amigo já distante.  Aquele que do nada apareceu e do nada partiu. Transformou-lhe a vida, e lhe preparou o coração para compreender um equilíbrio natural das coisas.  Rafael trouxe para sua casa toda a felicidade, e lá a deixou, de forma que pudesse ir embora sem levá-la consigo novamente.  Deixou a Rosa que determinou sua partida ao abrir-se por inteira e deixou a dor da saudade, como cota de equilíbrio para uma nova vida repleta de extrema felicidade."


Augusto C. de Lima

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