terça-feira, 23 de abril de 2013


DESCANSE EM PAZ

Augusto Lima

Que triste ser, meu amigo
Sentir e se esconder
O pecado lhe atormenta
E lhe alimenta
Que triste ser...
Você
Gostaria de poder lhe dizer
O quanto é comum se exercer
Mas tua semente foi plantar
Sem querer
sem amar
eis então a tua paz
que não quer ter

Que dura pena, amigo meu
Ter o corpo a contramão
E o padrão a lhe ditar
Teu par ao se deitar
Que triste ser
É não ser.
Quem é você?
Sem violão
Sem filho, sem tatame
Sem redenção?

Não se atormente, mestre querido
Seu disfarce se mantém
Só por mim foi percebido
Seu outro alguém
Você me abriu as janelas
Num rompante de coragem
Mas não pôde ir além
O medo, a culpa, o receio
Lhe tem.

Te absolvo então, meu amigo
Da angústia pelo olhar do outro
Pela minha ausência, agora constante,
Lhe concedo o frigido conforto.
E no paraíso estará
Sem o diabo a lhe testar
E este torto a lhe deixar
O fará em linha certa
Pois meu portão escancarado é demais
Para sua janela entreaberta.

domingo, 31 de março de 2013

Pra quem sabe o que é viver


Pra quem sabe o que é viver
Augusto Corrêa de Lima

Pra quem sabe o que é viver
Complicado é ser
Confrontar suas vontades
Querer não é poder
Pra quem sabe o que é viver

Querer brilhar n’outro lugar
Mas aqui estar
Não magoar, não ferir
Se oprimir, se anular
Pra quem sabe o que é viver
Aí está

Ter o corpo a se perder
Prazer não mais terá
Pra quem sabe o que é viver
A alma bastará
A canção  a remoer
Lhe restará
E a vida a se estender
Pra quem sabe o que é viver

Pra quem sabe o que é viver
Ser feliz não caberá
A alma a se repetir
Não crescerá
É preciso sofrer
Abdicar
Pra quem sabe o que é viver
Paz não há
Nada há

Ver o outro ser feliz
Em seu lugar
Seguir sem repetir a visão
Do paraíso que eu já vi passar
Ser linear
Pra que sabe o que é viver
É o ser
E o estar

Pra quem sabe o que é viver
Ter a cruz a esperar
Exemplos ei de dar
E minha dor há de ensinar
A saber viver
Saber morrer
Saber ressuscitar

Agradeço fome ter
E o corte a me sangrar
O escuro a me perder
E um amor a me deixar
Pra aprender o que é viver
É preciso perecer
Ser feliz é alienar
Ter a dor é prosperar
Pra quem sabe o que é viver.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A quem cabe



Que dor é ser
Água em taça de vinho
Quando um tolo a lhe sorver
Se engana e cospe-te fora
Como se fosse lixo
Como se fosse espinho

Que frieza é deter
um fardo bloqueando o caminho
Que a natureza errou ao fazer
e afasta todo o amor
Meu algoz é meu
Meu algoz sou eu



A quem cabe dar o afeto que me cabe?
Alguém como eu
Um corpo que invade
Que cabe no meu

A quem cabe enxergar-me como quero?
Contrário de eu
Um corpo que cabe
Certinho no meu

E o amor eu peço em segredo
A paz no que eu quero fazer
E ao amor eu peço em segredo
Dê luz ao que eu vim a ser

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Minha Natureza

Minha Natureza
Augusto C. de Lima

Romântico parece
Beijar a flor
A existência graciosa
virginal, pura, angelical
Mas só o caule me agrada
Que ergue, sustenta e alimenta
Mesmo escondida a nobreza
Basta-me tê-lo em vista
E embebedar de sua seiva
Equilibrar-me tal a flor

Sendo caule, então, também
Recriar minha natureza
Estética imperfeita
Separar beleza e dor
Uma, a outra não complementa
Chocar por ser verdadeiro
Enfeiar-me por amor

Mostrar-me por inteiro
Vontade, verdade, prazer
Ao criador obedecer
Se exercer, qual seja o nome
Aberração, pecado, contramão

Mas natural por natureza
Saciado ei de ser
Negando então meu beijo a flor
Sem gosto, sem sal, sem calor
Beleza que morre ao final da estação
Só o caule fica então
Humilhado por querer
N’outro caule florescer

Sendo caule, então, também
Recriarei minha natureza
Estética imperfeita
Separarei beleza e dor
Uma, a outra não complementa
Chocarei por ser verdadeiro
Burlarei todos teus cristos
farei por amor
a minha natureza

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Curto e Grosso

Reivindico a utopia de ser como você
Poder olhar,por poder ver
Sentir, sondar, conhecer
arriscar prazer.
Se não te atrai o mesmo lado
Lisonjeado deve ser
Mas se o teu lazer, de mim, te deixar chateado
Aconselho-te então,
Vá se fuder.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Dê-me

Dê me este Vulcão
Jorre o caldo a fervilhar
Desmembre corpo e coração
Dê-me o Fruto pra pecar
me entreter, me  lambuzar
ao meu oco preencher
Dê-me já!

Dê-me o Totem generoso
pra desnudo idolatrar
Ser marcado a ferro e fogo
roubar tua alma ao sugar
Dê-me o mel destas entranhas
para as minhas inundar
Dê-me já!

Dê-me um raio a derreter
minha sombra ao penetrar
invadir, sair, voltar
clarear meu escuro ser
Dê-me o pão em salvação
dos teus restos, comido, dormido
rijo, então, assim será
Dê-me já!

Dê-me um traço a envolver
servir, sorver, absorver
E que o seja em linha reta
grossa, direta, ereta
Dê-me paz, ao inferno ter
entre as coxas,
e onde mais inferno há
Dê-me já!

Dê-me o pendão que afasta as pernas
do macho que em natureza o carrega
Dê-me o ouro e o guardião
Dê-me ao desejo razão
Quem criou-me o fez pra gostar
assim me veio e assim será
Se não por ti, então por Deus
Dê-me já!

sábado, 1 de outubro de 2011

De verdade

Eu não tenho cor, senão
rosa choque a me entregar
me maldizer, caluniar
dar-me as feras no jantar
dar-lhes algo em que se erguer
e se afirmar

Eu não tenho pele, então
só o pecado a me cercar
indecente por arder
beijar, bulir, trepar
Que faço então, meu Deus?
Me ater de amar?

Eu não tenho coração
só o diabo a palpitar
me guiando à contramão
na dança proibida
pra teimar não procriar
em existência descabida

Não existe palavrão
só viado, bicha, sapatão
todo lixo assim se chama
por quem os odeia, e por quem os "ama"
mas a graça aí está
Se crescer em humilhar

Eu não sou aberração
só um clichê a delirar
buscar normalidade e respeito
onde a moral diz que não há
serei então piada, alienação, pornografia
pra atender aos tolerantes
e a vã filosofia

Eu não tenho educação
sou um tolo a deslumbrar
alguma naturalidade
em todo ser e estar
meu discurso impertinente
incomoda só a quem mente
mas como eu
se sente

Eu não tenho inspiração
pra alongar este lamento
talvez nunca tenha tido
na angústia, apenas tento
expressar um sentimento
de quem vive em prisão
aos olhos dos outros
e do próprio coração

Assim faço por vontade
que se tenha algum dia
realmente liberdade
para ser o que se é
preconceito com a mentira
sem medo do ser
viver
de verdade